segunda-feira, 15 de agosto de 2011

SÍNDROME DE HUGHES OU SÍNDROME ANTIFOSFOLÍPEDE - SAF

A Síndrome Antifosfolípide é uma doença de causa desconhecida que ocorre no sangue, produzindo anticorpos (defesa) contra o próprio organismo (auto-imune), causando entupimento de vasos sanguíneos em qualquer parte do corpo por meio de coágulos (trombose venosa e arterial), aumentando o risco de derrames cerebrais e infarto no coração. Quem possui essa doença também pode apresentar abortos repetitivos ou morte do feto.

A descoberta da SAF ocorreu na década de 80.

Sabe-se que essa doença ocorre mais nas mulheres e em qualquer raça. Ela aparece mais frequentemente nos jovens e em adultos de meia-idade.
As pessoas que possuem o Lúpus Eritematoso Sistêmico (LES) têm de 34 a 45% de chance de apresentar a SAF.

Para o médico fazer o diagnóstico da SAF, ele analisa os sintomas apresentados e os resultados dos exames de sangue.

A SAF pode ser:
  • Primária – quando a pessoa não possui outra doença auto-imune junto à SAF
  • Secundária – quando, geralmente, a pessoa possui o LES ou outra doença auto-imune
  • Gestacional – quando ocorre abortos de repetição, morte fetal, pré-eclâmpsia ou eclâmpsia
Alguns dos fatores que podem aumentar o risco de entupimento dos vasos em pacientes com
SAF são: obesidade, diabetes, pressão alta (hipertensão), colesterol e frações altos (dislipidemia), fumo, alcoolismo, estresse e falta de atividade física.




A síndrome antifosfolípide (SAF) é definida como a presença de trombose e/ou abortamentos, de etiologia auto-imune na vigência de auto-anticorpos circulantes contra fosfolípides ou proteínas associadas a fosfolípides. É uma trombofilia adquirida, diferindo de uma série de condições hereditárias que se caracterizam por processos trombóticos de ocorrência familiar. A SAF pode ser primária, quando aparece isolada e que corresponde à maioria dos casos; ou secundária, quando conjuntamente presente com outra doença, mais comumente o lúpus eritematoso sistêmico (LES).
A doença, seja ela na sua forma primária ou secundária, predomina no sexo feminino. Estudos de prevalência em que se objetivou observar a freqüência de positividade dos anticorpos antifosfolípides, não os correlacionando com a clínica, demonstram a presença desses anticorpos entre 5% e 10% da população sadia. A prevalência aumenta com a idade. Esses valores se elevam e podem chegar a 30%-50% nos pacientes portadores de LES.
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Tabela 1:


· Anticorpos antifosfolípides positivos em assintomáticos
· SAF com eventos vasculares
· SAF com apenas eventos obstétricos
· SAF catastrófica
· Anticorpos antifosfolípides com manifestações não-trombóticas (condições associadas à SAF)


Achados Clínicos

A manifestação clínica trombótica mais comum é a presença de trombose venosa profunda dos membros inferiores. Ocorre em 32% dos pacientes e apresenta risco de evoluir com embolia pulmonar, o que pode incrementar a sua morbidade e mortalidade.

A segunda manifestação trombótica mais comum é o acidente vascular encefálico ou cerebral, acometendo o território arterial do encéfalo. Deve-se ressaltar que a ocorrência de trombose do sistema venoso cerebral é algo comum também na síndrome, com aparecimento de tromboses dos seios venosos intracranianos.

Praticamente, qualquer sistema vascular do organismo pode ser comprometido em pacientes com SAF. Desde os territórios mais comuns, como os descritos acima, como sistemas arteriais mais exóticos como a gastroepiplóica, o seio petroso superior, a veia adrenal e diversos outros territórios cuja trombose seja incomum, sendo estsa característica uma informação valiosa para que seja iniciada uma investigação nesses pacientes para o diagnóstico de SAF.

Diagnóstico

Para o médico fazer o diagnóstico da SAF, ele analisa os sintomas apresentados e os resultados dos exames de sangue

A SAF manifesta-se principalmente como trombose venosa profunda (TVP) dos membros inferiores (pernas, panturrilhas ou coxas) em um grande número de pacientes e em outros através do acidente vascular cerebral (AVC ou derrame cerebral) .

Por vezes, é muito comum o paciente apresentar uma contagem baixa das células do sangue dqa coagulação (plaquetas) e a isto se dá o nome de plaquetopenia.

Os sinais e sintomas da SAF são variados e podem comprometer praticamente qualquer órgão ou sistema do corpo humano. Algumas manifestações mais comuns são desde manchas na pele, tromboflebite superficial, insuficiência cardíaca, embolia pulmonar e outras formas de doença.

Algumas pacientes só apresentam a SAF durante a gestação com perdas fetais de repetição; nesses casos, a trombose ocorre na placenta. Na gravidez a SAF pode também em alguns pacientes ser responsável por pré-eclâmpsia (pressão alta associada a inchaço no corpo e perda de proteína na urina), ecâmpsia (pré-eclâmpsia associada a convulsão) ou ainda insuficiência da placenta em nutri o feto.

Exames de sangue que são feitos e são essenciais para diagnosticar SAF :
  • Anticorpo anti-cardiolipina (aCL) IgG ou IgM: é um teste mais sensível, sendo encontrado em cerca de 60% dos pacientes com SAF, no entanto, é menos específico, podendo ocorrer em uma variedade de outras condições. Logo após um evento trombótico, o teste para aCL pode estar transitoriamente negativo porque há um consumo do anticorpo pela formação do coágulo. Recomenda-se outro teste três meses após o evento trombótico. Quanto maior o título do aCL, maior a chance de eventos trombóticos.
  • Anticoagulante lúpico (LAC): é um teste decoagulação, sendo menos sensível (presente em 15 a 40% dos pacientes com SAF), no entanto, raramente é positivo em outras condições além da SAF.
  • A realização dos dois testes é sempre recomendada, tanto da aCL tanto do LAC, pois encontra-se positiva em 80% dos casos.
  • Anticorpo anti-beta-2-glicoproteína I (anti-Beta-2-GPI) IgG ou IgM: foi recentemente introduzido nos critérios de SAF. Este teste geralmente é realizado quando a aCL e LAC são negativas.
Alguns pacientes podem reagir positivamente nos testes para sífilis gerando o VDRL falso positivo.

Tratamento da SAF

O primeiro estágio do tratamento da SAF é a realização de um diagnóstico acurado baseado principalmente nos critérios de classificação recentemente propostos. Por ter um diagnóstico diferencial amplo e por ter muitas características clínicas inespecíficas de doenças, o tratamento do episódio agudo de trombose não difere daquele estabelecido nos pacientes não portadores de SAF. Portanto, a infusão de heparina intravenosa 5.000UI, seguida da infusão intravenosa contínua de aproximadamente 1.000UI/hora ou a injeção subcutânea de 10.000 a 15.000 UI de 12/12 horas, deve ser realizada, com o controle do TTPa a cada 6 horas até se obter aumento do R desse tempo de coagulação entre 1,5 a 2 vezes.

O uso de heparinas de baixo peso molecular também é uma opção terapêutica, com as vantagens de não necessitar de controle laboratorial e de necessitar apenas da aplicação subcutânea. Por outro lado, o custo individual desta heparina é maior. A dose de enoxaparina é de 1 mg/kg/dose aplicado subcutaneamente de 12/12 horas ou 1,5 mg/kg/dia em dose única. A dalteparina pode ser aplicada na dose de 100 UI/kg/dose também duas vezes ao dia, via subcutânea.

Algumas situações especiais durante o uso de heparinas de baixo peso molecular requerem a monitorização laboratorial do fator anti-Xa. Dentre elas, destaca-se o excesso de peso, que alguns autores consideram ser acima de 90 kg e outros acima de 130 kg ou IMC > 32; prematuridade; gravidez; insuficiência renal com creatinina acima de 2,5 mg/dl ou o clearance de creatinina < 30 ml/min; e, de forma importante, naqueles indivíduos que apresentam hemorragia ou trombose na vigência de uma dose adequada corrigida pelo peso da heparina de baixo peso molecular.

Após o episódio agudo, o tratamento a longo prazo com anticoagulante oral é a terapia de eleição. O uso de varfarina para manter o INR do tempo de protrombina entre 2 e 3 para os episódios de trombose venosa e entre 3 e 4, com algumas controvérsias, para os fenômenos arteriais, é a forma adequada e realizada nos grandes centros mundiais nos quais se estuda a SAF.
Por sua vez, o estudo APASS, realizado com um grande número de pacientes, levantou o questionamento de que a anticoagulação oral com INR entre 2 e 3 não é superior à utilização de AAS nos casos de primeiro episódio de AVC isquêmico.
A interação medicamentosa é extremamente importante naqueles pacientes que fazem uso de anticoagulação oral (tabela 6), bem como a necessidade de tomar cuidado com a alimentação devido às fontes de vitamina K (tabela 7)


Tabela 6: Interações medicamentosas com a varfarina

Redução do efeito anticoagulante
Azatioprina
Barbitúricos
Carbamazepina
Ciclofosfamida
Colestiramina
Corticosteróides
Dicloxacilina*
Diuréticos
Drogas antitireóideas
Etanol (uso crônico)
Hidróxido de alumínio
Fenitoína*
Fenobarbital*
Mercaptopurina
Quinidina
Rifampicina*
Sucrafalto
Vitamina C
Vitamina K
Aumento do efeito anticoagulante
AAS
AINH em geral
Alopurinol
Amiodarona*
Andrógenos
Antidepressivos tricíclicos
Antidepressivos (IRSS)*
Antifúngicos
Cimetidina*
Clofibrato
Clorpropamida
Etanol (agudo)
Eritromicina*
Fluconazol*
Hormônios tireoidianos
Isoniazida
Metronidazol*
Omeprazol*
Paracetamol
Metilprednisolona (pulso)
Quinolonas*
Salicilatos
SMX/TMP*
Ticlopidina
Tamoxifeno
Vitamina E
Zafirlucaste*
Zileuton*
AINH: antiinflamatório não-hormonal
IRSR: inibidores seletivos de recaptação de serotonina
* Via interação com citocromo P450 2c9


Tabela 7: Fontes alimentares de vitamina K





Alimentos ricos
em vitamina K
  • · Vegetais folhosos verdes: espinafre, brócolis, alguns tipos de alface, couve, repolho, couve de Bruxelas
  • · Gorduras vegetais: óleos (canola, soja, algodão e oliva), margarinas
  • · Alimentos hipergordurosos
  • · Legumes com casca
  • · Alimentos processados ou refogados em óleo
  • · Miúdos: fígado, coração, dobradinha
  • · Maionese, temperos para saladas, molhos de tomate prontos, principalmente com salsa
  • · Atum enlatado em óleo
  • · Ovos fritos
  • · Creme de leite e queijos gordurosos (aumentam a absorção da vitamina)
  • · Soja e derivados, lentilha, ervilha e grão de bico
  • · Vagem, quiabo, pepino, abobrinha
  • · Kiwi, abacate, ameixa seca, figo, amora, uvas e abacate (frutas com casca têm teor maior)
  • · Fast-foods: hambúrgueres, pizzas, petiscos (por serem gordurosos)
  • · Wafles, biscoitos recheados, panquecas
  • · Oleaginosas: nozes, castanha de caju
  • · Folhas verdes para preparo de chás e o grão de café





Alimentos pobres
em vitamina K
  • · Azeitona, cogumelos, tomate vermelho
  • · Óleos de milho, de amendoim e manteiga (têm teor reduzido, dentre as gorduras, sendo considerados moderados e não pobres)
  • · Alimentos hipogordurosos
  • · Legumes sem casca
  • · Sopas que não sejam tipo creme
  • · Carnes com pouca gordura e sem fritura
  • · Aves e peixes sem acréscimo de óleo
  • · Molho de tomate “simples”
  • · Atum enlatado em salmoura
  • · Ovos cozidos ou pochê
  • · Laticínios desnatados e seus derivados
  • · Cereais: arroz, trigo, aveia (e derivados)
  • · Grãos: feijão
  • · Tubérculos: batata, rabanete, beterraba (a cenoura tem um teor um pouco maior, principalmente se for cozida)
  • · Sucos e frutas cítricas
  • · Frutas sem casca
  • · Lanches com pouca gordura e sem molhos
  • · Biscoitos simples, sem recheio
  • · As infusões preparadas com as folhas: chás e café, prontos
Em janeiro de 2006, surgiram os mais recentes critérios diagnósticos da SAF. São ditos critérios de Sidney, na Austrália, e compreendem a obrigatoriedade da presença de pelo menos um critério clínico e pelo menos um critério laboratorial. A tabela 3 traz a relação de tais itens.

Tabela 3: Critérios clínicos e laboratoriais da SAF
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Critérios
clínicos
  • Trombose arterial e/ou venosa e/ou de capilares, confirmada por imagem ou histopatologia
  • 1 ou + óbito fetal = 10 sem
  • 3 ou + abortos espontâneos < 10 sem
  • 1 ou + parto prematuro (< 34 sem) – eclâmpsia, pré-eclâmpsia ou insuficiência placentária
Excluir alterações hormonais, anatômicas e cromossômicas
Critérios
laboratoriais
  • · Anti-ß2-glicoproteína I IgG ou IgM
Obrigatoriamente, devem-se ter duas dosagens positivas do anticorpo, separadas por intervalo mínimo de 12 semanas

Tabela 4: Títulos de Anticardiolipina
Baixo< 40 GPL ou MPL
Médio40 a 80 GPL ou MPL
Alto> 80 GPL ou MPL

 

DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL

As condições trombóticas que levam a eventos venosos devem ser diferenciadas das trombofilias hereditárias, cuja história positiva familiar auxilia e orienta a solicitação dos exames complementares. Nesse grupo, deve-se considerar a presença do fator V de Leiden ou das deficiências das proteínas C, S ou antitrombina III. E, ainda, a protrombina mutante. Condições mais habituais como o uso de estrogênio, o periparto e a síndrome nefrótica devem ser pesquisados sempre, bem como manifestações paraneoplásicas levando a trombose, como a síndrome de Trousseau (neoplasia de pâncreas e tromboflebites recorrentes). A hiper-homocisteinemia pode levar a eventos venosos e também arteriais.

Por sua vez, as condições que levam à trombose arterial podem corresponder à hiper-homocisteinemia. Um importante diagnóstico diferencial da SAF é a aterosclerose, cuja idade mais avançada e a presença de fatores de risco depõem a favor dessa última condição. As vasculites sistêmicas devem ser lembradas, principalmente a doença de Behçet. Nas crianças, deve-se lembrar das cardiopatias congênitas com possíveis embolizações, as malformações arteriais do SNC e a doença de Moyamoya. Em adultos, a fibrilação atrial crônica e a endocardite infecciosa com embolização periférica também podem ser uma possibilidade.

Outras condições que podem evoluir com plaquetopenia são a púrpura trombocitopênica idiopática (PTI), a púrpura trombocitopênica trombótica (PTT), a síndrome hemolítico-urêmica (SHU), trombocitopenia induzida por heparina (TIH) e a coagulação intravascular disseminada (CIVD). Na presença de esquizócitos, lembrar sempre da PTT e SHU.

Em relação às perdas gestacionais, deve-se, sempre que possível, pesquisar alterações anatômicas, genéticas e malformações no feto, além de sorologias para doenças infecciosas que produzam teratogenicidade (toxoplasmose, rubéola, sífilis, citomegalovirose, herpes, Aids; mnemônico: Torscha). Deve-se sempre observar se não há alterações hormonais maternas ou anatômicas uterinas, além do uso de álcool ou drogas que predisponham à perda fetal recorrente.



Tabela 5: Diagnósticos diferenciais de SAF segundo a manifestação

Trombose venosa
Trombose arterial
  • · Aterosclerose
  • · Vasculites sistêmicas
  • · Hiperhomocisteinemia
  • · Cardiopatias congênitas
  • · Fibrilação atrial crônica
  • · Endocardite infecciosa
plaquetopenia
  • · PTI
  • · PTT
  • · SHU
  • · TIH
  • · CIVD
Perda gestacional
  • · Malformação fetal ou uterina
  • · Toxoplasmose
  • · Rubéola
  • · Sífilis
  • · Citomegalovirose
  • · Herpes
  • · Aids
  • · Drogas

 

 

 



DR. JOZÉLIO FREIRE DE CARVALHODoutor em Reumatologia e Médico Assistente da Disciplina de Reumatologia , Chefe do ambulatorio de SAF do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo